por Rui Henriques para o Boletim Trimestral da Associação de Xadrez de Setúbal "Ao Quadrado" nº5 - 2ª Série, Setembro 2015
A primeira vez que tive oportunidade de falar com Mestre Joaquim Durão foi na antiga sede da Federação Portuguesa de Xadrez à Rua da Sociedade Farmacêutica quando, ainda na primeira metade dos anos noventa, fui tratar da ida de uma jogadora do meu clube a uma competição internacional, se não me engano um campeonato europeu de jovens. Perguntou Joaquim Durão se ela tinha estudado xadrez, ao que retorqui que tinha comprado um livro brasileiro da Série Ouro (A. Carneiro e J. Valadão Monteiro, “Aprenda a jogar xadrez correctamente”, Edições Ouro, 1967). Durão disse que o importante era ver partidas de Grandes Mestres, sem que tivesse feito qualquer apreciação positiva ou negativa do livro, que eu considerava um vademecum, onde ia procurar as aberturas pelos seus nomes, ou ver alguns finais. Não me esqueci, no entanto, do conselho do Mestre, e se possivelmente ele entendia por “ver partidas de Grandes Mestres”, estudá-las aprofundadamente, pelos menos vejo-as no tabuleiro, acompanhado por outro amigo, tal como eu sem grande força xadrezística, mas tirando enorme prazer dessa atividade. Já a tarefa de entusiasmar adolescentes das escolas de xadrez para o mesmo, tem-se mostrado mais árdua e era sobretudo para eles que o conselho era dirigido. Há um tipo de exercício, que o mestre internacional Luís Santos utilizava nas páginas do “Expresso”, dentro da mesma ideia geral, que consiste em esconder os lances seguintes e tentar adivinhar quais foram os lances que determinado Grande Mestre fez numa partida, transcrita na totalidade. Na minha opinião, descobrem-se maravilhas neste tipo de actividades, em nada inferiores às fintas de um Messi ou aos piques de um Cristiano Ronaldo. Vou exemplificar com uma partida não muito longa disputada em 2013 em Wijk aan Zee entre Levon Aronian e Vishy Anand.
Anand diz que demorou cerca de meia hora a pensar no lance que fez. Seria a altura do leitor tentar! 15. … Bc5. Depois deste surpreendente lance, a partida prosseguiu, com outros lances também surpreendentes 16. Be2 Cde5, 17. Bxg4 Bxd4+, 18. Rh1 Cxg4, 19. Cxf8 f5, 20. Cg6 Df6, 21. h3 Dxg6, 22. De2 Dh5, 23. Dd3 Be3 e Aronian abandonou.
Análises do jogo podem ser vistas, por exemplo, em www.chessgames.com/perl/chessgame?gid=1704763, ou https://www.youtube.com/watch?v=ViK8F98ei-w. [deixamos abaixo a partida comentada pelo próprio Anand, N. do E.] O curioso é que Anand referiu depois do jogo, numa conferência de imprensa, que a partida tinha semelhanças com uma disputada em 1907 entre Rotlevi e Rubinstein, com o par de bispos preto também a apontar para o rei branco, cuja dama, mesmo sacrificando-se pelo amado esposo, não consegue evitar o xeque-mate. Não foi Mestre Durão quem deu o conselho ao Anand, mas este na sua preparação tinha estudado as partidas de Grandes Mestres de há um século!
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